Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos, a obrigatoriedade do regime de separação de bens pode ser afastada por expressa manifestação da vontade das partes, mediante escritura pública.
Esse entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal. O colegiado decidiu, por unanimidade, dar interpretação conforme à Constituição ao artigo 1.641, II, do Código Civil, que considera obrigatória a separação de bens em casamento de pessoas com mais de 70 anos.
Com a decisão, as pessoas com mais de 70 podem se casar sem separação de bens caso haja expressa manifestação da vontade delas, por meio de escritura pública. O tribunal também decidiu que o mesmo vale para as uniões estáveis.
Houve modulação dos efeitos para resguardar os atos que foram praticados de acordo com o artigo 1.641 do CC até a data do julgamento. O objetivo é preservar a segurança jurídica e não permitir, por exemplo, a reabertura de casos em que os bens já foram partilhados. Pessoas com mais de 70 anos que já se casaram com separação de bens podem, no entanto, pedir a alteração de regime, se for da vontade do casal.
Voto relator
Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte. Segundo ele, submeter as pessoas com mais de 70 anos a uma obrigatoriedade viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
“Viola-se a autonomia individual, porque a obrigação impede que pessoas capazes para praticar atos da vida civil façam livremente suas escolhas existenciais. Em segundo lugar, trata idosos como instrumentos para satisfação do interesse patrimonial de seus herdeiros. Esse artigo está ali para proteger os herdeiros e está impedindo que uma pessoa maior e capaz opte pelo regime que melhor lhe aprouver”, disse Barroso em seu voto.
A obrigação, prosseguiu o ministro, também utiliza a idade como fator de diferenciação sem que haja fundamento legítimo para isso. “Estamos lidando com pessoas maiores e capazes, que enquanto conservarem suas capacidades mentais têm o direito de fazer suas escolhas.”
O tribunal votou pela fixação da tese proposta por Barroso, com adendos feitos pelos ministros Cristiano Zanin e André Mendonça. Zanin se manifestou pela necessidade de modulação dos efeitos e Mendonça propôs que constasse na tese que a manifestação da vontade deve ser feita por meio de escritura pública.
O STF, então, fixou a seguinte tese de repercussão geral:
“Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.
Etarismo
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia afirmou que a obrigatoriedade é incompatível com princípios constitucionais e discrimina idosos.
“O etarismo é uma das formas de preconceito desta sociedade enlouquecida na qual vivemos. Ninguém é jovem e feliz sempre. Amar a gente pode sempre. Muitas das vezes os companheiros é que, em momentos de fragilidade, estão ali construindo, reconstruindo e, principalmente, cuidando.”
“Pela longevidade da minha família, a gente realmente fica preocupado quando homens e mulheres começam a se apaixonar aos 90 anos, mas acontece. Não significa a obrigatoriedade de ter de se submeter a um regime de casamento porque o legislador assim quis”, brincou a ministra.
O ministro Luiz Fux usou dados do IBGE para afirmar que há uma crescente longevidade da população. Ele também afirmou que não faz sentido considerar pessoas de 70 anos incapazes de decidir sobre o regime de bens, ao mesmo tempo em que ministros do Supremo podem permanecer na corte até os 75.
“Hoje há uma crescente longevidade da população. Não se justifica presumir, em razão da idade, qualquer tipo de incapacidade. Me deparei com o seguinte paradoxo: uma pessoa de 70 anos tem essa presunção de incapacidade, mas está na idade de ingressar no Supremo Tribunal Federal ou permanecer. Não tem sentido essa limitação”, afirmou Fux.